sexta-feira, 21 de março de 2008

"danser c'est regarder"

dançar é olhar, observar...

Esse é o título de um artigo de Emmanuelle Huynh sobre seu contato com Lisa Nelson, um xerox antigo que "caiu" nas minhas mãos esta semana, e me fez pensar numa experiência que vivi em Angers-Fr, guiada por Camille Renahr.

Convidei o Ricardo para me acompanhar, e partimos num passeio pelo centro de Curitiba, quinta-feira à noite, véspera de feriado.

Passear com os olhos fechados no espaço urbano, guiado por alguém, corresponde à idéia de abandonar todo poder sobre o mundo e de se deixar estar no espaço, desarmado. Como sobreviver? Primeiramente pela compaixão do outro, e tudo isso que nos conduz a "viver juntos", segundo a fórmula de Roland Barthes. Em seguida, elaborando recursos interiores sobre as espacialidades, e se servindo de seus sentidos como "antenas" (...)

Laurence Louppe em Poétique de la Danse Contemporaine - La Suite
A tradução (com muitos defeitos e cheia de parcialidades) é minha mesmo...

"Dançar é olhar". Como colocar esse olhar em trabalho?
Fechar os olhos, abri-los por alguns segundos, e "fotografar um instante", fechar de novo rapidamente. Não é necessário fazer dessa imagem arquivo, papel ou quadro, a "sensação é a imagem"...

A vitrine da geladeira do posto de gasolina, as sacolas de lixo ao lado de um guarda-chuva velho na calçada, a academia de boxe, o relógio marcando 21h atrás de um balcão, as arquibancadas vermelhas e a lua aparecendo do lado esquerdo, a escultura de um abraço de família, o passeio embaixo da tenda colorida, o cartaz na pastelaria chinesa , o reflexo de nós dois no vidro, o fliperama
E tantas outras coisas...
sensações criadoras de mundos.
simples assim.

danser pode ser regarder.

Elisabete Finger

quinta-feira, 20 de março de 2008

A cueca como limite


Em meio às várias metáforas que temos utilizado como fonte de investigação no processo criativo, a presença do objeto CUECA ganha espaço privilegiado enquanto material.

Ela, enquanto objeto concreto, apareceu pela primeira vez no processo já em agosto do ano passado, por ocasião da residência em Teresina. A composição de uma imagem específica com uma única cueca ficou fortemente registrada e quase que por acaso uma sacola de cuecas surge novamente em janeiro deste ano.

Para nós elas são interessantes na medida em que podem tratar metaforicamente do limite entre nu e não-nu, já que estereotipicamente ela representa a vestimenta. Genericamente, de cueca eu ainda não estou nu. Um tênue limite que me interessa muito. É como se nela estivesse a chave que me permite balizar aquilo que se desnuda ou não. Tudo metáfora, claro.

Eis que depois de muito trabalho com elas em estúdio, várias ações surgem. Dentre as quais destaco uma seqüência de por e tirar cuecas que emerge da primeira imagem, lá do ano passado. Pois bem... aqui temos uma questão difícil para lidar! Na ânsia de não padecer de ingenuidade histórica, temos tentado investigar artistas e obras que tratam/trataram de questões próximas às nossas e eis que um dia a Beti traz para a roda um trabalho do francês Alain Buffard que para nossa surpresa trata do material “cueca” de forma incrivelmente parecida com a que estávamos tratando até então. Trata-se do trabalho “Good Boy”, de 1998 (um trecho pode ser visto no link: http://www.youtube.com/watch?v=7JY_3TKoN0U&NR=1)

Depois de uma pequena crise ocasionada pela coincidência, sinto que a aproximação só está me estimulando a aprofundar a investigação em trânsito com as cuecas.

E você, o que guarda dentro das suas cuecas?
Quais são as cuecas da sua nudez?

Ricardo.

quarta-feira, 19 de março de 2008

inspiração



Sempre fui fã de Matthew Barney. É um artista sensacional. Revisando seu trabalho mais recente, fiquei completamente enlouquecido com as imagens de nu.

Aurélio

terça-feira, 18 de março de 2008

Encontro Ricardo-Ronie / Parte 1


“Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai. Durante as horas de perdição tive a coragem de não compor nem organizar. E sobretudo de não prever. Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direção ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: já tinha o tamanho de meus cuidados. Minhas previsões me fechavam o mundo”
Clarice Lispector, A paixão segundo GH


Correndo atrás do pensamento ou pensamentos que me corr(o)em...

È também na tentativa de correr atrás de meus pensamentos e de organizar e formular minhas impressões, que escrevo aqui um pouco sobre esses dois dias de trabalho, troca e observacão com Ricardo Marinelli

Um corpo homem que se põem no espaço, que não se põem em fragilidades, um corpo forte, um corpo frágil. Um corpo de discursos e mentiras, de falácias e afetações. Um corpo denso, um corpo que transborda sua militância, suas arrogâncias e seus mais sinceros desejos e vontades. Um corpo ambíguo, cruel. Correndo atrás de seus pensamentos, ou nos mostrando aquilo que lhe corre, que lhe corrói. Ao vê-lo, me vejo também. Divido o espaço, observo sua crueldade de voyeur e de quem observa o que me é frágil, oscilo entre fragilidades e unhas afiadas. Observo a sua crueldade e doçura, desconfio. Ando pros lados, desconfio, cravo minhas unhas, falo de suas vaidades, que não lhe atinge. Um corpo de atleta, um discurso que não lhe cabe, que não cabe naquele tempo. Ele me impede de falar, não quero mostrar minha vergonha. Estar nu não é estar sem roupa. Consigo olha-lo. Ele dança. Dança das cuecas velhas, risos. Dança dos pensamentos que transbordam, pensamento de controle. De que fragilidade você fala Ricardo? O que é que te incomoda? Pergunto como alguém que não quer saber a resposta, sinto o prazer da crueldade de ver alguém que dança. Que crueldade tem em ver alguém que dança?! Falar só o que for realmente essencial. Comando 1. Pouco importa seus comandos, se são meus próprios comandos que me derrubam de meus saltos, te olho como quem porta luvas, luvas de boxe, luvas de seda, luvas de lavar louça, louça quebrada. Espero, o tempo não passa. Trinta minutos. Não passa. Saio com a angústia de quem tem pressa. De quem observa e tem pressa.

Ronie Rodrigues

segunda-feira, 17 de março de 2008

Correndo atrás do MEU pensamento com MINHA dança.


Uma das guerras mais instigantes e intensas que tenho travado comigo mesmo neste processo de criação diz respeito a sabotar parte do controle que tenho sobre as ações, sobre mim, sobre minha dança.

Como se fosse possível retirar de mim o controle de minhas ações. Assumo que tal proeza é reconhecidamente impossível para seres vivos dotados de razão. Aliás penso que em certa medida trata-se de tarefa impossível para todo ser vivo com algum tipo de sistema nervoso que o permita escolher. Minha busca então é por chegar o mais perto de um não controle, deixando assim que outras coisas, diferentes daquelas que normalmente consigo alcançar intelectualmente, apareçam.

Nesse caminho, que surgiu em setembro do ano passado e que venho exercitando quase diariamente desde o início de janeiro, muita coisa já aconteceu.
Parece que nessa busca o que encontro é uma forma de materializar em movimento o jeito que penso. Uma quase qualidade de movimento que tem relação com uma quase sempre parecida forma de pensar o mundo.

Velocidade, ansiedade, vetores contrários e simultâneos. Uma profusão de imagens em movimento que me faz lembrar de como meu pensamento funciona!

Depois de muito experimentar tal procedimento, surge uma importante referência para a questão: o trabalho da performer portuguesa Vera Mantero. Dentre várias metodologias de trabalho de Vera destaco o que ela chama de “escrita automática no espaço”, um princípio investigativo que me parece estar bastante próximo do que estou fazendo. Tal investigação se materializa de diversas formas na arte de Mantero, no entanto a obra “Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois”, de 1991, materializa fortemente essa dimensão.

Eu diria que minha pergunta é de outra natureza: e se ele conseguisse dar a ver TUDO o que esta passando por sua cabeça? Será que ele consegue escolher dançar todas as informações que atravessam o pensamento?

Ricardo.

Sozinho.


Solidão é lava
Que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo...

Solidão, palavra
Cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão...

Quero eu te desnudar também. Quero-te só ... sozinho. Nu e sozinho, vestido e sozinho, comendo e sozinho, falando e sozinho, pensando e sozinho, olhando e sozinho, movendo e sozinho ...

... danço eu dança você na dança da solidão.

É a maior das fragilidades que hoje posso te emprestar, mas depois eu a quero de volta!!!

Beijinhos,

Ju Adur

visions - Felix Gonzalez Torres

perfect lovers - Felix Gonzalez Torres

Presenças e ausências

Temos falado muito disso. Presença e ausência, um binômio em que uma coisa se cria pela outra. Relações de espelhamento: presenças duplas. Sombra: presença-ausência.
Assisti ao video postado pelo Aurélio e fiquei pessoalmente tocada pela falta de um sapato no pé da moça... onde deveria haver um duplo nao há.
O que me faz pensar nos duplos de Felix Gonzalez Torres, posto aqui seus "perfect lovers" e "visions". Acho que fazem eco ao que estamos experimentando, em estúdio e nas conversas sobre o processo de criação.

Elisabete Finger

quinta-feira, 13 de março de 2008

Bidimensional




Estou muito ligado a isso (bidimensional), ainda em relação ao outro post (sombra) deixo aqui umas imagens que me inspiraram.
Aurélio

quarta-feira, 12 de março de 2008

Sombra


Ontem observando uma performance do Ricardo, não consegui tirar os olhos da sombra que seu corpo projetava na parade, foi engraçado, porque me fez lembrar de um clipe q vou postar aqui de uma cantora chamada Adele. É muito legal a relação dança/sombra. Pensei tb no Peter Pan que não conseguia prender sua sombra ao corpo. Enfim...

Acesse o link:
http://www.youtube.com/watch?v=soLlNubWltI

Aurélio

segunda-feira, 10 de março de 2008

Som e Nudez – Parte I

Como já explicitado no post de apresentação, este projeto trata inicialmente de questões como a nudez, a mentira, a fragilidade e os novos meios de relacionamento entre a dança em cena e o espectador. Tudo isto requer uma série de estudos do movimento corporal, de diretrizes a serem trabalhadas para e com o corpo, do espaço a ser delimitado, das relações de memória e resposta corporal, e uma série de outros fatores que envolvem naturalmente a dança, pela proposta inicial e por si mesma. E como seria isto tudo na questão sonora e musical do espetáculo? Pode a nudez ser transmitida através de experimentos sonoros e musicais? Até que nível a relação da música com a dança pode atingir? De que modo estas relações podem acontecer? Estas e diversas outras perguntas surgem cada vez mais no decorrer do trabalho.
A princípio, as mesmas questões levantadas sobre o corpo em movimento equivalem às questões sonoras, porém com problemáticas e meios diferentes. A dança, durante quase toda a sua existência, esteve diretamente relacionada e “aprisionada” à música. Foi apenas em meados da primeira metade do século XX que se começou os primeiros experimentos de dança sem música, dando início a um processo de alforria que se estende até os dias de hoje. Apesar de todos os esforços, ainda hoje a maioria das pessoas (e até mesmo muitos profissionais destas áreas, por incrível que possa parecer) só considera a existência da dança na presença da música. E, entenda-se por música, a organização sonora “tradicional”, com elementos e signos já estabelecidos, conhecidos e reconhecidos pelo senso comum.
Apesar de não se tratar de nenhuma novidade nos meios mais informados sobre o assunto, esta questão é de extrema importância neste trabalho, pois encontrar caminhos diferenciados para estabelecer esta relação será de extrema importância para o seu resultado. Isto não significa que a relação tradicional não possa existir, aliás, tudo caminha para que ela esteja também presente. Porém, nos parece cada vez mais necessário encontrar relações que não passem apenas pela percepção do movimento e da intencionalidade da música. Também não se trata de “ambientar” a dança, como acontece na maior parte do tempo no cinema, onde a música serve para dimensionar e valorizar as intenções presentes nas imagens. Parece (e é) muito difícil estabelecer novas ligações, pois existe toda uma carga cultural “impressa” no corpo de todo dançarino, que não sai simplesmente com água e sabão; ou seja, naturalmente a resposta do movimento perante a música acontece por códigos já estabelecidos por milhares de anos da cultura humana.
Em nossos primeiros passos desse estudo, foi exatamente isso que aconteceu. A proposta surgiu de um exercício apresentado pelo próprio Ricardo, onde as pessoas davam comandos para suas ações, na intenção de criar uma exposição imprevista (no sentido de ser não previamente conhecida, determinada) de seu corpo. Estabelecemos que estes comandos aconteceriam também através de elementos sonoros e musicais. Numa primeira tentativa, juntamente com outras pessoas, naturalmente os sons passaram quase que despercebidos na função de comandos para suas ações. Isto porque se trata de uma informação muito subjetiva, se comparada às instruções diretas da linguagem falada. Os sons simplesmente “ambientaram” o exercício. Não que o Ricardo não tivesse tentado responder a estes sons, mas devido a quantidade de informações, naturalmente o cérebro interage perante o objetivo com mais rapidez do que perante o subjetivo.
Numa segunda empreitada, desta vez com os comandos dados somente através dos sons, houve uma série de reações diferenciadas. Por ter sua atenção voltada para os sons, o Ricardo sentiu um certo desconforto inicial, por não saber como responder a comandos dados de maneira tão subjetiva. Em um momento inicial, foi colocado sons de significados definidos, como tiros de canhão, digitação em máquina de escrever e impressora trabalhando. Depois, partimos para a música em si. A princípio a resposta dada a cada estímulo veio através do canal mais comum e mais direto, onde o corpo dele simplesmente respondeu aos sons, como um dançarino responde á musica. A partir daí, estamos nos concentrando em buscar novos meios de resposta, tentando achar um equilíbrio nesta reação, sem deixar se levar simplesmente pelos sons, mas também não agir única e exclusivamente pelo intelecto, na qual poderiam surgir respostas mais radicais. Será um trabalho difícil, pois, como dito antes, estas reações estão diretamente ligadas e condicionadas a uma cultura de milhares de anos.

Gilson Fukushima