segunda-feira, 10 de março de 2008

Som e Nudez – Parte I

Como já explicitado no post de apresentação, este projeto trata inicialmente de questões como a nudez, a mentira, a fragilidade e os novos meios de relacionamento entre a dança em cena e o espectador. Tudo isto requer uma série de estudos do movimento corporal, de diretrizes a serem trabalhadas para e com o corpo, do espaço a ser delimitado, das relações de memória e resposta corporal, e uma série de outros fatores que envolvem naturalmente a dança, pela proposta inicial e por si mesma. E como seria isto tudo na questão sonora e musical do espetáculo? Pode a nudez ser transmitida através de experimentos sonoros e musicais? Até que nível a relação da música com a dança pode atingir? De que modo estas relações podem acontecer? Estas e diversas outras perguntas surgem cada vez mais no decorrer do trabalho.
A princípio, as mesmas questões levantadas sobre o corpo em movimento equivalem às questões sonoras, porém com problemáticas e meios diferentes. A dança, durante quase toda a sua existência, esteve diretamente relacionada e “aprisionada” à música. Foi apenas em meados da primeira metade do século XX que se começou os primeiros experimentos de dança sem música, dando início a um processo de alforria que se estende até os dias de hoje. Apesar de todos os esforços, ainda hoje a maioria das pessoas (e até mesmo muitos profissionais destas áreas, por incrível que possa parecer) só considera a existência da dança na presença da música. E, entenda-se por música, a organização sonora “tradicional”, com elementos e signos já estabelecidos, conhecidos e reconhecidos pelo senso comum.
Apesar de não se tratar de nenhuma novidade nos meios mais informados sobre o assunto, esta questão é de extrema importância neste trabalho, pois encontrar caminhos diferenciados para estabelecer esta relação será de extrema importância para o seu resultado. Isto não significa que a relação tradicional não possa existir, aliás, tudo caminha para que ela esteja também presente. Porém, nos parece cada vez mais necessário encontrar relações que não passem apenas pela percepção do movimento e da intencionalidade da música. Também não se trata de “ambientar” a dança, como acontece na maior parte do tempo no cinema, onde a música serve para dimensionar e valorizar as intenções presentes nas imagens. Parece (e é) muito difícil estabelecer novas ligações, pois existe toda uma carga cultural “impressa” no corpo de todo dançarino, que não sai simplesmente com água e sabão; ou seja, naturalmente a resposta do movimento perante a música acontece por códigos já estabelecidos por milhares de anos da cultura humana.
Em nossos primeiros passos desse estudo, foi exatamente isso que aconteceu. A proposta surgiu de um exercício apresentado pelo próprio Ricardo, onde as pessoas davam comandos para suas ações, na intenção de criar uma exposição imprevista (no sentido de ser não previamente conhecida, determinada) de seu corpo. Estabelecemos que estes comandos aconteceriam também através de elementos sonoros e musicais. Numa primeira tentativa, juntamente com outras pessoas, naturalmente os sons passaram quase que despercebidos na função de comandos para suas ações. Isto porque se trata de uma informação muito subjetiva, se comparada às instruções diretas da linguagem falada. Os sons simplesmente “ambientaram” o exercício. Não que o Ricardo não tivesse tentado responder a estes sons, mas devido a quantidade de informações, naturalmente o cérebro interage perante o objetivo com mais rapidez do que perante o subjetivo.
Numa segunda empreitada, desta vez com os comandos dados somente através dos sons, houve uma série de reações diferenciadas. Por ter sua atenção voltada para os sons, o Ricardo sentiu um certo desconforto inicial, por não saber como responder a comandos dados de maneira tão subjetiva. Em um momento inicial, foi colocado sons de significados definidos, como tiros de canhão, digitação em máquina de escrever e impressora trabalhando. Depois, partimos para a música em si. A princípio a resposta dada a cada estímulo veio através do canal mais comum e mais direto, onde o corpo dele simplesmente respondeu aos sons, como um dançarino responde á musica. A partir daí, estamos nos concentrando em buscar novos meios de resposta, tentando achar um equilíbrio nesta reação, sem deixar se levar simplesmente pelos sons, mas também não agir única e exclusivamente pelo intelecto, na qual poderiam surgir respostas mais radicais. Será um trabalho difícil, pois, como dito antes, estas reações estão diretamente ligadas e condicionadas a uma cultura de milhares de anos.

Gilson Fukushima

Um comentário:

Princesa Ricardo Marinelli disse...

Música é sempre um grande desafio para mim.

O Gilson pontua muito bem as questões sobre as quais temos nos debatido nas últimas semanas...
A elas acrescento:

1. O que seria produzir uma estrutura sonora que em si rate da nudez? Existe a possibilidade de fazer uma musica nua!

2. E uma música genericamente dançante? é possível retirar recursos estilísticos de uma música e matê-la atraentemente !dançante?

Estou ansioso pelos resultados musicais dessa fase...